Tuesday, February 06, 2007

SEM NOME

Era tão pequeno,
que ninguém o via.
Dormia, sereno,
enquanto crescia.
Sem falar, pedia
-porque era semente-
ver a luz do dia,
como toda a gente.
Não tinha usurpado
a sua morada.
Não tinha pecado.
Não fizera nada.
Foi sacrificado
enquanto dormia.
Esterilizado
com toda a mestria.
Antes que a tivesse,
taparam-lhe a boca,
- tratado, parece,
qual bicho na toca.
Não soltou vagido.
Não teve amanhã.
Não ouviu: «-Querido...»
Não disse: «-Mamã...»
Não sentiu um beijo.
Nunca andou ao colo.
Nunca teve o ensejo
de pisar o solo,
pezito descalço,
andar hesitante,
sorrindo, no encalço
do abraço distante.
Nunca foi à escola,
de sacola ao ombro,
nem olhou estrelas
com olhos de assombro.
Crianças iguais
à que ele seria,
não brincou com elas,
nem soube que havia.
Não roubou maçãs,
não ouviu os grilos,
não apanhou rãs
nos charcos tranquilos.
Nunca teve um cão,
vadio que fosse,
a lamber-lhe a mão,
à espera de um doce.
Não soube que há rios
e ventos e espaços.
E invernos e estios.
E mares e sargaços,
e flores e poentes,
E peixes e feras
- as hoje viventes
e as de antigas eras.

Não soube do mundo.
Não viu a magia.
Num breve segundo,
foi neutralizado
com toda a mestria:
Com as alvas batas,
máscaras de entrudo,
técnicas exactas,
mãos de especialistas
negaram-lhe tudo
(o
destino inteiro...)
- porque os abortistas
nasceram primeiro.


5 Comments:

Blogger André Nóbrega said...

está mesmo bom... e triste... e o sim ganhou, ou melhor, ganhou ao não porque quem ganha sempre é a abstenção!

7:04 PM  
Blogger multifacetada said...

este poema está mesmo excelente! Gostei muito...

6:35 AM  
Blogger xokilate said...

não levou maus tratos, não teve uma mãe alcoolica ou um pai toxicodependente, não passou fome nem frio, não sofreu, não passou pela derradeira luta em que sobreviver prevalece a viver... há sempre um outro lado....

3:57 AM  
Blogger Ovis aries said...

concordo contigo amiga, mas há sempre o outro lado, a esperança, em que não há obrigatoriamente o sofrimento! Se isso fosse a maioria estariamos todos mortos!
Continuemos a acreditar na Vida e felicidade...
A nossa vida é uma batalha constante!

1:07 PM  
Anonymous Anonymous said...

"Não pediu pra nascer"(argumento habitual de quem já nasceu e tem agora capacidade pra pensar).
De facto, não pediu nem deixou de pedir. Não se lhe podem atribuir qualidades que NÃO TEM.
è tudo muito lindo e o poema é muito bom. Mas nada ainda é.Apenas apelos à piedade e ao sentimentalismo.
Bjs

8:46 AM  

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